“Delito do colarinho branco” para a criminologia
A priori, na primeira metade do século XX, os estudos criminológicos apresentavam-se com maior ênfase à relação entre delito e classe social, subestimando, assim, os delitos cometidos por pessoas de classes sociais mais elevadas.
A figura de Sutherland foi essencial para a expansão das teorias delitivas com relação a todas as classes sociais. Foi ele também que trouxe o termo “delito de colarinho branco”, que de acordo com sua definição, poderia ser definido aproximadamente como “ o delito cometido por uma pessoa respeitável e de alto status social no curso de sua ocupação” 1. Dada a imprecisão da definição a vertente científica a considera sem utilidade consistente.
A hodierna e marjoritária doutrina, conceitua o referido delito de forma diversificada, como por exemplo, delitos políticos ou até mesmo delitos corporativos, restando em aberto sua real definição.
É neste contexto que colacionamos um trecho do brilhante artigo do delegado da Polícia Federal de São Paulo, Rodrigo Strini Franco, intitulado “Criminalidade do colarinho branco como fonte de desigualdade no controle penal”:
“É certo que diversos autores rechaçaram o conceito dado por Sutherland, criando uma controvérsia em torno da definição que ainda hoje permanece em aberto. Mas, para que o problema da desigualdade na administração da justiça penal tenha um suporte, torna-se necessário utilizar o conceito dado por Sutherland.
A utilização do conceito tradicional de crime de colarinho branco, de cunho essencialmente subjetivo, equivale, nas palavras de Cláudia Cruz Santos " a significar que o próprio problema do tratamento desigualitário do white collar-crimepelas instâncias formais de controlo ganha especial sentido à luz de uma definição preocupada com as características do agente". (3)Em outra passagem a citada autora traz à colação uma citação de Sutherland em que ele identifica a desigualdade de tratamento da administração da justiça penal no caso em que " as pessoas de classe sócio-económica mais alta são mais poderosas política e financeiramente e escapam em maior número à detenção e à condenação do que as pessoas a quem falta aquele poder". E acrescenta que tais agentes não são " detidos por polícias uniformizadas, não são julgadas por tribunais criminais e não são enviados para prisões; este comportamento ilegal é objeto da atenção de comissões administrativas ou de tribunais que julgam segundo o direito civil ou a equidade. Por esta razão, tais ofensas não são incluídas nas estatísticas criminais". (4)
Diferentemente do que alguns doutrinadores que relacionam os criminosos do colarinho branco com os respectivos modus operandi ( blue-collar criminals, corporate crime, business crime ou occupational crime), a linha deste trabalho seguirá o conceito subjetivo de Sutherland, levando em conta especificamente às características do agente do crime, colorindo o agente e não a infração, para traçar o quadro de desigualdades no sistema penal.
Pode-se de certo modo identificar um fio condutor que perpassa o aparato da justiça criminal ( legislador, polícia, ministério público, judiciário e administração penitenciária ) e que desencadeia a desigualdade na administração do sistema penal. Consiste esse fio condutor na manutenção do sistema sócio-ecomômico e político da classe que dispõe do poder.” 2.
Neste contexto leciona o delegado de polícia Eduardo Luiz Santos Cabette em seu artigo “As estatísticas criminais sob um enfoque criminológico”:
“Na doutrina criminológica, tratando especificamente da criminalidade das classes privilegiadas, faz-se referência à chamada "cifra dourada" que "representa a criminalidade de "colarinho branco", definida como práticas anti - sociais impunes do poder político e econômico (a nível nacional e internacional), em prejuízo da coletividade e dos cidadãos e em proveito das oligarquias econômico - financeiras". [06]
Essa "cifra dourada", como uma espécie distinta de "cifra negra", destaca-se amplamente, pois que se a criminalidade das classes baixas já é subrepresentada nas estatísticas, ocorrendo, na realidade, muito mais infrações do que aquelas absorvidas pelo sistema penal, o que dizer a respeito dos crimes relacionados a atividades de pessoas cuja posição social é de maior relevo? Os chamados "crimes de colarinho branco" representam uma parcela ínfima nas estatísticas criminais, que se apegam aos registros policiais ou processuais, retratando, na verdade, o efeito diferencial da "criminalização secundária" sobre as condutas ilegais, de acordo com a sua afinidade com determinados seguimentos sociais.
A sub - representação dos "crimes de colarinho branco" (criminalidade econômica, ambiental, política etc.) e a sobre - representação relativa dos crimes das classes dominadas, não reflete uma realidade sobre o universo das infrações penais cometidas, mas simplesmente apresenta um quadro artificial e enganador.”
Texto enviado por Erlayne Resende da Silva, integrante do Grupo Água(Delito)
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