sexta-feira, 5 de junho de 2009

Autor do Delito

AUTOR DO DELITO

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo uma análise acerca do autor da pedofilia, acerca dos seus aspectos, históricos, psicológicos, sociológicos e sociais e ainda a maneira como são punidos, pelo ordenamento brasileiro, ao praticarem a pedofilia.
E visando uma melhor compreensão do tema o nosso trabalho esta dividido em capítulos, que abordará sobre a evolução histórica, conceitos, locais de autuação e motivação do autor para a prática da pedofilia.
A pesquisa desenvolvida foi baseada na pesquisa bibliográfica acerca do tema exposto, buscando nos doutrinadores entendimento sobre a evolução e características em geral do pedófilo, bem como pesquisas de campo dos autores de pedofilia no estado de Sergipe, com índices de registros.
A relevância do tema não reside apenas como medida jurídica, mas, também, de cunho social, pelo envolvimento e reflexo na vida das pessoas envolvidas com a prática da pedofilia.


2. ABORDAGEM HISTÓRICA

2.1. DISPOSIÇÕES HISTÓRICAS. A CRIMINOLOGIA E O ESTUDO DO COMPORTAMENTO DELITIVO.

Faz-se meritório que, nas primeiras laudas do presente trabalho, se traga à baila um prospecto histórico da ciência sob a qual se funda o estudo em tela, a saber: a criminologia - modernamente definida como uma ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo - entrelaçando e fazendo destacar a pessoa do delinqüente como objeto científico precípuo em toda a análise que se segue.
Nos tempos antigos muito se valorizava as explicações sobrenaturais ou religiosas sobre o mal e o crime, sendo repudiada qualquer gênese de saberes diversos àqueles que se ligassem a um contexto divino. Pelo relato das Sagradas Escrituras, em seu primeiro livro, vislumbra-se a figura do primeiro homicida da história da humanidade: Caim, filho de Adão e Eva, matara seu irmão Abel movido por latente inveja. Dada as circunstâncias e a concepção da época, a conduta de Caim, que hoje é tipificada como tipo penal e com previsão punitiva, ganhara forma de pecado avaliado por termos éticos, morais e mais adiante mandamentais em se focando a Tábua da Lei hebréia e seus Dez Mandamentos. Nesse sentido percebe-se a ausência de estudo sistematizado sobre o crime e sobre o comportamento delitivo, ganhando o delinqüente a figura de uma personalidade diabólica, apartada do bem e do seu Criador.
Na Grécia Antiga, o criminoso e o crime eram concebidos como produtos intrínsecos de um destino inexorável, ao qual não se poderia escapar; tal pensamento fundava-se numa predestinação intuitiva ou originariamente desconhecida pelos humanos e regida pelo alvedrio de deuses imortais e mitológicos, responsáveis por traçar os caminhos da humanidade.
Avançando no tempo, ultrapassando os tempos feudais e chegando aos limiares do séc. XVI, o grande humanista do Renascimento Thomas Morus (1480-1535), em sua obra intitulada “Utopia” (1516), relacionou a desorganização social e a pobreza com a delinqüência. Aliás, foi o Renascimento que desvinculou a visão do Teocentrismo (do grego θεóς, theos = "Deus"; e κέντρον, kentron = "centro") capitaneada pela Igreja, substituindo-a pelo Antropocentrismo (do grego άνθρωπος, anthropos = "humano"; e κέντρον, kentron = "centro"); assim, rompeu-se as concepções medievais e firmou-se o ser humano no foco das atenções filosóficas, artísticas e manifestações intelectuais da época.

2.2. ETAPA PRÉ- CIENTÍFICA DA CRIMINOLOGIA. ESCOLA CLÁSSICA

A Escola Liberal Clássica, também denominada “Etapa Pré-Científica da Criminologia” desenvolveu suas teorias, em diversos países europeus no século XVIII e princípios do século XIX. Foi marcada pelo velho regime e o sistema penal cruel e arbitrário das monarquias absolutistas. Caracteriza-se por seus enfoques liberais racionalistas e humanistas do iluminismo, especialmente no que se refere à orientação jusnaturalista.
Tal escola se detinha principalmente no estudo do delito, esse entendido como conceito jurídico, ou seja, a violação do direito e do pacto social. A imagem do homem delinqüente era de um ser racional, igual e livre. Em assim sendo, o autor do delito infringia a lei por meio de uma decisão livre, posto que sob o enfoque da Escola Clássica, o homem agia por livre arbítrio. Por conseqüência desse posicionamento a pena era condicionada como “instrumento legal para defender a sociedade do crime”. (BARATTA, 2002:31)
Faz-se necessário salientar que a teoria da Escola Clássica não partia de uma análise etiológica, ou seja, não se buscava uma identificação dos fatores que determinavam a criminalidade, porém um enfoque, por meio da fundamentação, legitimação e determinação do castigo. Situava como uma instância crítica das práticas penais da época, baseadas no antigo regime, reagindo ao comportamento delitivo através da aplicação de uma pena justa, inspirada em princípios completamente distintos aos aplicados na época, tais como, humanidade, legalidade, proporcionalidade e utilidade.
Em sendo assim, cumpre grifar que o mundo Clássico partia de uma imagem sublime e ideal do ser humano, como centro do universo, como dono e senhor absoluto de si mesmo, de seus atos. O dogma da liberdade, na visão clássica, tornou iguais todos os homens, não havendo diferenças entre o homem delinqüente e os demais, atribuindo como caractere gerador do comportamento delitivo o mau uso da liberdade em uma concreta situação, não importando razões internas nem quaisquer influências externas.
Como expoente da Escola clássica, Cesare Beccaria (1738-1794) em sua obra “Dos delitos e das Penas” (1764), não se intimidou com o sistema repressivo e tirânico de seu tempo e denunciou a forma cruel dispensada aos encarcerados das antigas masmorras, criticando severamente as penas de tortura e morte. Defendia a necessidade de se observar o grau do delito para se chegar a uma punição adequadamente proporcional, também sugerindo a pena de prisão perpétua em substituição à pena de morte, eliminando a concepção de punição terminativa e invocando uma posição ressocializadora quanto à aplicação das penas.

2.3. ETAPA CIENTÍFICA DA CRIMINOLOGIA. ESCOLA POSITIVISTA

“O infrator é um prisioneiro de sua própria patologia (determinismo biológico) ou de processos causais alheios a ele (determinismo social): um ser escravo de sua carga hereditária, enclausurado em si e separado dos demais, que olha o passado e sabe, fatalmente escrito, seu futuro – um animal selvagem e perigoso.” (MOLINA: 2006,67)

Foi o positivismo criminológico quem iniciou a etapa científica da Criminologia na qual o delinqüente passou a protagonizar como objeto de estudo. Encabeçada por Cesare Lombroso (1835-1909), Rafaele Garófalo (1852-1934) e Enrico Ferri (1856-1929), a presente escola surgiu como uma crítica a denominada Criminologia Clássica, partindo de um método empírico-indutivo, baseado na observação dos fatos e dados; a Escola Positivista explicava o autor do delito através o princípio da diversidade do homem delinquente, segundo o qual o criminoso sob o ponto de vista qualitativo é um indivíduo distinto do cidadão normal, visto como indivíduo patológico.
Com latente influência da Frenologia, sob os estudos de Franz Joseph Gal ( 1758-1828 ) e de Jonh Gaspar Spurzheim (1776-1832), os quais sustentavam ser possível determinar o caráter, características da personalidade, e grau de criminalidade pela forma da cabeça (lendo "caroços ou protuberâncias"), pela inovadora concepção Darwinista da Teoria Evolucionista (1809) e movido pelos dizeres mandamentais do Édito de Valério “na dúvida, condene-se o réu mais feio”, foi que Lombroso, médico psiquiatra italiano e profundo estudioso da época, procurou uma resposta orgânica para o comportamento delitivo. Depois de dez anos de pesquisas craniométricas de criminosos, abrangendo fatores anatômicos, fisiológicos e mentais, Lombroso lançou em 1876 a obra intitulada “L’Uomo Delinquente”, marco inicial científico da Criminologia.
A teoria lombrosiana afirmava a existência de criminoso nato, considerado este uma subespécie ou subtipo humano, marcado por uma série de “estigmas” que se azem transmitir por vias hereditárias, considerando o criminoso como ser atávico, ou seja, resultado de regressão e não de evolução das espécies. Associou o homem delinqüente a características físicas marcantes, tais como, fronte esquiva e baixa, assimetrias cranianas, grande desenvolvimento das maçãs do rosto, orelhas em forma de asas, entre outras características. Além disso, contribuiu Lombroso para o Princípio da Diversidade, na medida em que fez diferença entre o comportamento delitivo das mulheres, crianças e loucos para com os demais, defendendo atenuantes quanto à punição porventura dirigidas a este grupo em específico.
Tais idéias, ligadas ao que depois se denominou de “Antropologia Criminal”, ganharam adeptos entre os juristas e estudiosos da época – Pinel (1864) e Voisin (1837), por exemplo defendiam a tese de que a criminalidade se manifestava devido a uma deficiência no sistema nervoso central dos indivíduos. Não obstante a tantos estudos correlatos, convém na seara positivista trazer destaque a Enrico Ferri e Rafaelle Garófalo, produtores intelectuais importantes para o estabelecimento da Escola Penal Italiana.
Garófalo, que primeiro utilizou a expressão Criminologia, defendia a conversão da pena de morte em pena perpétua. Já Ferri, acrescia a idéia do homem produto do meio, pontuando a existência de fatores sociais da criminalidade, tais como a pobreza, o subemprego e a falta de instrução, defendendo até mesmo a influência dos fatores climáticos no comportamento delitivo, sob o argumento de que em regiões tropicais, mais latente é a conduta agressora do que em lugares de clima frio.
Assim, o delito seria o resultado de fatores antropológicos ou individuais (constituição orgânica do indivíduo, sua constituição psíquica, características pessoais como raça, idade, sexo, estado civil etc.), fatores físicos ou telúricos (clima, estações, temperatura, etc.) e fatores sociais (densidade da população, opinião pública, família, moral, religião, educação, alcoolismo, etc.). O positivismo, nessa perspectiva, professou uma visão determinista, na qual o indivíduo nasceria predeterminado ao crime, em função de assentadas características biológicas, físicas (conforme Cesare Lombroso), porém apenas apresentaria essa pré-disposição ativada pelo meio social (de acordo com os entendimentos de Ferri), ou por uma patologia psíquica (como afirmava Garófalo).
Não obstante, professou também a escola positivista uma concepção discriminatória da sociedade, imbuída em densos preconceitos, chegando a distinguir nas relações da sociologia criminal as classes sociais em três categorias: a classe mais elevada, que não delique porque é natural e organicamente honrada pelo efeito do sentido moral, dos sentimentos religiosos e sem outra sanção que não a sua própria consciência ou a opinião pública; outra classe, mais baixa, composta de indivíduos refratários a todo sentimento de honradez, por se encontrarem privados de toda educação na luta constante e empenhada pela existência, os quais já herdaram tais condições dos pais e as transmitirão a seus descendentes (desta classe se recruta, em maior parte, o contingente de criminosos natos); por último, tem-se outra classe social de indivíduos que não nasceram para o delito, mas que não são honrados a toda prova, vacilando entre o vício e a virtude.

2.4. CONCEPÇÕES CORRECIONALISTA, MARXISTA E MODERNA DO DELINQUENTE

A filosofia correcionalista, pedagógica ou pietista, também analisou o autor do delito. Trouxe a figura do criminoso como um ser inferior, incapaz de dirigir por si mesmo sua vida, cuja débil vontade requer ininterruptamente a intervenção tutelar do Estado. Já o Marxismo, envolto no cenário da Revolução Industrial e toda transformação que tal fenômeno gerou primeiro em toda Europa, depois em todo o mundo, atribuiu a responsabilidade do crime a determinadas estruturas econômicas que surgiam naquele momento histórico, sendo o infrator mera vítima de toda a nova conjectura que se impôs pelo capitalismo e sistema de produção desenfreado. Destaque para Karl Max e Friedrich Engels (teóricos do socialismo científico – séc. XIX), que frisavam ser a sociedade a real culpada de todo caos que nela própria se verificava.
No que preceitua a visão moderna, é o homem real do nosso tempo capaz de discernir o certo e o errado, escolhendo acatar as lei ou não cumpri-las por razões nem sempre acessíveis a nossa mente; um ser enigmático, complexo, torpe ou genial, herói ou miserável, porém, em todo caso, mais um homem, como qualquer outro, desmistificando a tradicional polêmica entre deterministas e partidários do livre-arbítrio.
Nesse raciocínio, o indivíduo não pode ser identificado como um ser solitário, desenraizado, que se afronta com sua liberdade existencial sem dependências, sem história (visão dos clássicos); todavia, também não pode figurar-se como mera concatenação de estímulos e respostas, uma máquina de reflexos e hábitos ou um cativo de seu algoritmo biológico e genético (visão positivista); tampouco, uma peça diminuta na engrenagem do universo social, sendo um passível observador dos acontecimentos históricos que lhe envolve ou vítima das estruturas que ele mesmo criou. Ora, o homem é sim, um ser aberto - em um permanente e dinâmico processo de interação, e condicionado, com efeito, deveras condicionado (por si mesmo, pelos outros e pelo meio), porém com admirável capacidade para converter e transcender o legado que recebeu. (MOLINA e GOMES, 2006)
Desta sorte, a concepção moderna se propõe cessar a incessante busca de outrora por alguma enigmática patologia de delinqüência, apagando da figura do autor do delito toda impressão de mitos e preconceitos, buscando, ademais, traçar uma política criminal equânime e eficaz, ainda que esta seja, por hora, apenas um ideário a ser perseguido.

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